segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Revirando as Caixinhas



O armário e suas prateleiras, a escrivaninha e suas gavetas, o cofre e seu fundo falso são verdadeiros órgãos da vida psicológica secreta. Sem esses objetos e alguns outros igualmente valorizados, nossa vida íntima não teria um modelo de intimidade.


Gaston Bachelard

Os espaços internos do nosso ser, onde guardamos com esmero lembranças, desejos e pensamentos aos quais temos apego são morada de  "objetos" que tem um significado nada banal para a gente. Coisas banais passam pelos nossos dias, cumprem sua função e caem no esquecimento.

Essas coisas nos alimentam o espírito, deixam a mente em estado de busca.

Uma amiga outro dia se recolheu em seu apartamento revirando caixas que permaneceram fechadas por anos. Aquilo ativou uma série de reminescências em mim. Essa imagem me deixou pensando nos objetos cheios de significado que enterramos no inconsciente, que ficam ali vagueando nas memórias distantes, pensamentos incompletos, mas com uma carga nada casual de emoção, de expectativas que ficam ali,como brinquedos estragados, empoeirados pelo esquecimento aguardando o dia em que lhes colocaremos as peças que faltam e lhes daremos corda para que se movimentem para cumprirem seu papel.

Algumas vezes esses objetos são imprecisos, sua imagem é fugidia, e nos falta tempo para cuidar dessa arqueologia de guardados da nossa intimidade, movidos que somos pelo trem das horas que leva tarefas obrigatórias e distrações exigidas pela vontade, um vagão atrás do outro, numa acelerada jornada de momentos que se sucedem em flashes,e podem acabar somando alguns anos à nossa vida, sem que possamos concluir o conserto de sequer um desses objetos. Por vezes, esses consertos são coisas mágicas, de um ciclo de confusão, recolhimento e o insigth salvador que acontecem em parcos segundos em que descemos do trem das horas e dialogamos com nossa intimidade.

Esses espaços internos guardam muitas coisas, algumas delas promessas, sementes de coisas que temos dormentes e que aguardam para simplesmente ser. Vale a pena reservar alguns de nossos momentos para cuidar desses espaços.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Impulso Criador da Arte



O impulso criador da arte não se encerra naquele que, servo da inspiração, a quem dedica sua transpiração.
Todo aquele que se deixa tocar pela multifacetada alma da coisa artística sente dentro de si alguma coisa que o movimenta.
A coisa artística é doadora de ser, transcende o racionalismo seco, move a emoção num fluxo que pode gerar mais arte, nem que seja um encantamento que nos sintoniza com a arte de viver.


A Noiva - Gustav Klimt 1817/18

Segredos



Quem enterra um segredo enterra-se com ele. O segredo é um túmulo. O ser procura respirar, trancado nesse calabouço de segredos, pelas frestas do devaneio, onde sente o perfume da vida que não tem.

Monstros da Moral



Toda moral que generaliza o particular, que encarna uma "verdade absoluta para todos", um dever tirano e castrador deve ser combatida, pois gera monstros.

A moral é o mastro que suporta as velas do nosso barco e nos permite avanços na construção de nós mesmos. Esse mastro não está ali para prender quem quer que seja, para receber chicotadas "com razão". 

Não faça isso consigo, muito menos com os outros.

Ciclos de Sofrimento



Há características em nós mesmos que nos fazem patinar no crescimento emocional, situações nas quais nos sabotamos ou não conseguimos fazer algo que nossa vontade pedia "por favor! vamos fazer isso?" e situações-problema que nos dão a sensação de estarmos andando em círculos, porque até há uma evolução, mas volta e meia voltamos a um estágio que nos incomoda.


Isto acontece porque ficamos presos ao fogo dos pensamentos-hábito, que é como uma lareira que nos dá um calorzinho de segurança no meio da confusão de não saber qual o próximo passo devemos dar. Acontece também por um certo apego ao que acreditamos ser nossa essência, aquela coisa arrogante e comodista do "eu sou assim! Fazer o quê?". Acreditar que o que somos se resume ao que gostamos e o que não gostamos, ao que achamos certo e o que achamos errado, e o que queremos e o que não queremos é negar tudo o que temos dormente dentro de nós, ignorar a parte de nós que é eterna mudança e se prender a coisas familiares que nos mantém presos a um círculo de sofrimento.


Para se libertar dos ciclos de sofrimento, é preciso se render, se entregar ao impulso criativo da mudança. Ter a consciência de que abandonar coisas familiares não é trair sua essência, é soltar malas pesadas que contém coisas que já foram e manter a mente clara e luminosa, espírito leve e coração aberto para a vida que está acontecendo. É dizer sim às oportunidades, é ouvir o que a mente  percebe nas situações quando silenciamos a mente tagarela que não pára de remoer velhos pensamentos e imagens mentais, quando a mente se despe de julgamentos e rótulos. É se render ao despertar de si mesmo, que contraditoriamente, só emerge quando não temos dó de abandonar as "coisas familiares".


Este abandono, essa rendição, entretanto, não é algo performático, onde movidos por um impulso renovador, um belo dia em que acordamos animados, decidimos não ser mais fracos, não ceder mais aos medos e mudar. Para nos desintoxicarmos de pensamentos-hábitos que nos mantiveram presos a ciclos de sofrimento por anos é preciso um trabalho diário, é preciso manter-se em todos os momentos atento ao que acontece, é aquietar-se e não permitir que as emoções negativas perturbem a superfície do lago da mente, e não deixar que essas marolas nos impeçam de perceber o que se move na profundeza dos acontecimentos.


Imagem: Self Image Obsession - by LucBecks

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Consciência e uma Chícara de Chá


Sobre a consciência


Imagine uma cena: você está com uma chícara de chá entre as mãos, e aquietou-se para tomar o chá. Por alguns segundos, você não pensa em nada, você está totalmente imerso naquela experiência de tomar o chá. Você sente o peso e o tamanho da chícara, sente o cheiro do chá, sente seu calor. Começa a tomar o chá lentamente, atento a seu sabor, seu calor. Apenas um ou dois goles, e sua mente começa a vaguear novamente. Você pensa uma coisa, depois outra, e quando se dá conta, a chícara está vazia e você tem pouca lembrança de como foi tomar aquele chá. A experiência acabou antes de acabar.


Este mesmo tipo  de perda de consciência ocorre quando você precisa ir de um lugar para outro e vai andando.Você mais ou menos escolhe o caminho por onde pisará, mas a mente está vagueando e o corpo está no piloto automático. Um monte de detalhes do caminho e dos objetos e pessoas no meio do caminho passaram completamente despercerbidos a você, textura do piso, grama, asfalto, cimento, onde estava limpo ou sujo, se havia alguém que precisava de ajuda, uma árvore cujas flores desabrocharam naquele mesmo dia, pássaros cantando,uma enorme quantidade de informação contida no caminho por onde você andou e que você não percebeu.


Grande parte de nossas vidas estamos assim - andando no piloto automático - distraídos com essa mente tagarela que não nos deixa perceber verdades ocultas no desenrolar de acontecimentos, na sucessão de agoras que juntos perfazem uma vida. Respondemos aos estímulos, fazemos o que é preciso em cada momento, mas os níveis de consciência variam, pois a mente tagarela está sempre querendo remoer alguma coisa. Cada pessoa percebe apenas uma parte dessas verdades ocultas nas coisas, nos fatos, nas palavras com as quais entramos em contato, e mesmo no discurso não-falado. O que uma pessoa percebe muitas vezes está contaminado com o que ela aprendeu em experiências passadas similares, preconceitos, impressões, e pode ser distorcido por um hábito de forjar uma conclusão rápido demais, que impede à pessoa ver as coisas como elas são, e não como ela acha que são, ou como ela acha que deveriam ser, ou como gostaria que fosse.


Em alguns momentos, podemos nos sentir incompletos, sentindo que falta algo nas nossas experiências de vida. Em parte, deve-se ao fato do nível de consciência com que vivemos aquela experiência.Em parte, em função das expectativas que nossa mente criou, quando categorizou aquela experiência antes de ela acontecer.


Estar consciente em todos os momentos é um exercício que nos coloca em sintonia com nossa própria essência, com a atenção voltada para dentro, e ao mesmo tempo nos permite ver a vida como ela é, com maior riqueza de detalhes. o Exercício de combinar esse olhar para o mundo e essa conexão com a própria essência é  um dos aspectos mais encantadores de se estar vivo.

Imagem: A Cup of Tea - by JunKarlo - deviantArt

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Pequeno Milagre Diário


Um dia você desperta e se dá conta
de que a cada dia você pode experimentar
a maravilha da chama da vida que arde dentro de você

E você deixa-se embebedar pelo sutil arrebatamento
de silenciar a mente resmungona
e deixar a alma dançar
conduzida pela silenciosa música
que toca dentro da gente
quando sentimo-nos VIVOS

Quando damos graças ao milagre
de termos mais um dia a nossa frente
pleno de possibilidades,
com saúde, energia renovada,
mente desperta e coração aberto
 
imagem: Sunrise on a Frost River - AuroraInk - DeviantArt