sábado, 31 de dezembro de 2011

Pelos Poros

Quando um sentimento é muito forte
ele sai pelos poros

fica impresso na nossa pele como tatuagem

o cheiro daquele sentimento

invade as narinas de quem
tem olhos para ver o

INDEFINÍVEL

...

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Um Beijo Sem Fim


Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue.
Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!



Fora, repouse em paz
Dormindo em calmo sono a calma natureza,
Ou se debata, das tormentas presa,
Beija inda mais!
E, enquanto o brando calor
Sinto em meu peito de teu seio,
Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,
Com o mesmo ardente amor!...



Diz tua boca: "Vem!"
Inda mais! diz a minha, a soluçar... Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais!
que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!


Castro Alves

Kiss II - Gustav Klimt

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Laissez-faire

Laissez-faire é hoje expressão-símbolo do liberalismo econômico, na versão mais pura de capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferência. Entretanto, eu tenho uma outra definição mais pessoal, que me guia nos meus atos diariamente. Para mim, é isso:

Laissez-faire  é um respeito pelo livre-arbítrio das pessoas, e uma coisa que eu acredito que seja uma das mais importantes características que uma pessoa de caráter precisa ter. É entender que as decisões que uma pessoa toma são reflexo das suas crenças, experiências pregressas, estado emocional e os elementos que ela tem para formar seu raciocínio. 

Laissez-faire é respeitar essa pessoa sem condená-la porque ela tem uma verdade é diferente da sua, porque você faria diferente naquela situação. É entender que as decisões daquela pessoa afetam em primeiro lugar ela mesma. Laissez-faire é se dar conta de que pode não ser da sua conta.

Me lembro que eu tinha 11 anos e aprendi esse conceito e resolvi adotá-lo daí em diante na minha vida. Vesti a camisa disso tão fortemente que chego por vezes a exagerar no laisser-faire.


Como pode ser isso?


É ver uma pessoa fazendo uma coisa que eu sei que vai dar errado, vai prejudicá-la, nem que seja na forma de uma mera perda de tempo, e ficar calado, inerte, sem tentar ajudá-la, porque a vida é dela, porque ela não me pediu conselho ou ajuda. Uma não-intervenção por respeito ao julgamento daquela pessoa.
 
Ás vezes me pego pensando se esse laisser-faire em excesso não é me omitir diante da vida, se não é egoísmo de não mexer um dedo por uma pessoa quando uma ação minha poderia ser benéfica para ela.

 
Eu tenho essas dúvidas às vezes.

Mas minha tendência mais forte é mesmo deixar as pessoas viverem suas vidas do jeito que elas acharem melhor. Eu sou assim. Acredito em certas coisas, tenho meus princípios, mas não sou de impor minhas verdades. Sou mais ou menos um anti-evangélico, pois enquanto um diz "ide e pregai" eu digo "que cada um percorra o seu próprio caminho e descubra sua própria verdade. Ninguém pode percorrer seu caminho por ti.

Abrir as Portas

É preciso abrir todas as portas que fecham o coração.
Quebrar barreiras construídas ao longo do tempo,
Por amores do passado que foram em vão
É preciso muita renúncia em ser e mudança no pensar.
É preciso não esquecer que ninguém vem perfeito para nós!
É preciso ver o outro com os olhos da alma e se deixar cativar!
É preciso renunciar ao que não agrada ao seu amor...
Para que se moldem um ao outro como se molda uma escultura,
Aparando as arestas que podem machucar.
É como lapidar um diamante bruto...para fazê-lo brilhar!
E quando decidir que chegou a sua hora de amar,
Lembre-se que é preciso haver identificação de almas!
De gostos, de gestos, de pele...
No modo de sentir e de pensar!
É preciso ver a luz iluminar a aura,
Dando uma chance para que o amor te encontre
Na suavidade morna de uma noite calma...
É preciso se entregar de corpo e alma!
É preciso ter dentro do coração um sonho
Que se acalenta no desejo de: amar e ser amada!
É preciso conhecer no outro o ser tão procurado!
É preciso conquistar e se deixar seduzir...
Entrar no jogo da sedução e deixar fluir!
Amar com emoção para se saber sentir
A sensação do momento em que o amor te devora!
E quando você estiver vivendo no clímax dessa paixão,
Que sinta que essa foi a melhor de suas escolhas!
Que foi seu grande desafio... e o passo mais acertado
De todos os caminhos de sua vida trilhados!
Mas se assim não for...
Que nunca te arrependas pelo amor dado!
Faz parte da vida arriscar-se por um sonho...
Porque se não fosse assim, nunca teríamos sonhado!
Mas, antes de tudo, que você saiba que tem aliado.
Ele se chama TEMPO... seu melhor amigo.
Só ele pode dar todas as certezas do amanhã...
A certeza que... realmente você amou.
A certeza que... realmente você foi amada."

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Estar Bem


"Estar bem e feliz é uma questão de escolha e não de sorte ou mero acaso.
É estar perto das pessoas que amamos que nos fazem bem e que nos querem bem. É saber evitar tudo aquilo que nos incomoda ou faz mal, não hesitando em usar o bom senso, a maturidade obtida com experiências passadas ou mesmo nossa sensibilidade para isso. É distanciar-se de falsidade, inveja e mentiras. Evitar sentimentos corrosivos como o rancor, a raiva e as mágoas, que nos tiram noites de sono e em nada afetam as pessoas responsáveis por causá-los.
É valorizar as palavras verdadeiras e os sentimentos sinceros que a nós são destinados. E saber ignorar, de forma mais fina e elegante possível, aqueles que dizem as coisas da boca para fora ou cujas palavras e caráter nunca valeram um milésimo do tempo que você perdeu ao escutá-las."

Friedrich Nietzsche

Curtinhas

As notas de rodapé do livro da vida são os momentos em que em silenciosa reflexão, no recato da solidão, revivemos os fatos e deles tiramos uma lição.

Vale mais um copinho de sabedoria posta em prática, que um litro de ssabedoria que fica no campo das idéias, guardado sem uso.

Ansiedade é quando sempre faltam muitos minutos para o que quer que seja

Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento

...


e falta de interesse é um monte de reticências...

Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado

Nossa Natureza



Antes que possamos compreender nossa verdadeira natureza, nossas mentes precisam ser gentis, abertas, calmas e em paz. Se a mente se fecha, encontra-se rígida, vinculada a dogmas, ou iludida, será difícil vermos nossa verdadeira natureza. Nossa natureza é como a água, deve ser transparente como o ar que respiramos, não vemos mas está lá. Deve ser capaz de contornar obstáculos sem se perder pelo caminho. 

Entretanto, correntes de ignorância, stress, medos, culpas podem criar ondas violentas. Então, precisamos cultivar nossa natureza de forma a acalmar as ondas e evitar enchentes.

Mestre Kung-Lonx


Imagem: DevianArt. Swan Lake by Ahermin

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Viver

Viver exige força e desprendimento. Porque não dá pra ensaiar e subir no palco outra vez, outro dia, quando estiver bom. O que vale para viver intensamente é a capacidade de improvisar. É esse improviso que esquenta a alma. Um calor que só pode sentir quem está vivo. É essa arte de “Não-saber-como-fazer-mas-fazer” que deixa o coração sair do ritmo.

Não tenha medo de se tornar quem você tem dormente dentro de você. Tenha medo de perder a oportunidade para fazê-lo

Morre Lentamente

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.
Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um feito muito maior que o simples fato de respirar. Somente a ardente paciência fará com que conquistemos uma esplêndida felicidade.


Pablo Neruda

Sobre o Amor



Se o teu amor despreza os sinais do amor a pretexto de atingir a essência, o teu amor não passa de um palavreado. Não descuides as felicitações, nem os presentes, nem os testemunhos.Serias capaz de amar a propriedade, se fosses excluindo dela, um por um, como supérfluos, porque particulares demais, o moinho, o rebanho, a casa? Como construir o amor, que é rosto lido através da urdidura, se não há urdidura sobre a qual escrever?
Sem cerimonial de pedras, não haveria catedral.

Nem haverá amor sem cerimonial em vistas do amor. Eu só atinjo a essência da árvore se ela modelou lentamente a terra segundo o ceriomonial das raízes, do tronco e dos ramos. Nessa altura, ela é una. Tal árvore e não uma outra.

Ora o amor não é tesouro a conquistar, mas obrigação de parte a parte, fruto de um cerimonial aceite, rosto dos caminhos da troca.

...



É o tempo que perdemos com alguém que torna esse alguém importante pra nossa vida! "Não se pode amar alguém sem se perder tempo com ele. Todos sonhamos com um amor paixão, com um amor sentimento e com um amor amizade. Todos sem exceção, mas só os privilegiados chegam lá. E não são privilegiados porque chegam, mas chegam porque são privilegiados... Enxergam com olhos que vêem pra dentro, além das aparências, além do visível! São os fortes os vencedores no amor! “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. ...


Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Ser Líqüido





"Não quero a complacência da desordem.
E se sou líqüida como é líqüido o informe, antes sou gotas de mercúrio do termômetro quebrado - líqüido metal que se faz círculo cheio de si e igual a si mesmo no centro e na superfície, prata que tomba e não derrama, liquidez sem umidade".

Clarice Lispector

domingo, 25 de dezembro de 2011

Adágios Gaúchos

 
Alegre que nem paisano à meia guampa
Chato como chinelo de gordo
Como tosa de porco: muito grito e pouca lã
Contrariado como gato a cabresto
Dá mais que pereba em moleque
Dar mais volta que bolacha em boca de velha

Era tão baixinho que quando peidava levantava poeira do chão
A touritos flacos todos peleam (Se fosse fácil qualquer um fazia)
Amigo de todos e de nenhum, tudo é um
(Cuidado com quem só fala o que os outros gostam de ouvir)
Ao assustado a própria sombra assusta
Boi lerdo bebe água suja
Brigam as comadres, descobrem-se as verdades
Com chimango não gasto pólvora
(melhor evitar o confronto com quem não vale a esmola)
Cuia curtida, mate bom.
Deus tira os dentes, mas alarga a goela


Faca que não corta, pena que não escreve, amigo que não serve, que se perca pouco importa.
Se estou de bem com a abelha mestra, não me importo que o enxame ronque.
Se faz de leitão pra mamar deitado
Tanta fome que a tripa grossa comeu a tripa fina.

e pra fechar...

Não se apanha rato, apertando o rabo do gato.

Que Todo Mundo Tenha

 
"Que todo mundo tenha um amor quentinho. Descanso pro complicado do mundo. Surpresa pra rotina dos dias. A quem esperar. De quem sentir saudades. Um nome entre todos. O verso mais bonito. A música que não se esquece. O par pra toda dança. Por quem acordar. Com quem sonhar antes de dormir. Uma mão pra segurar, um ombro pra deitar, um abraço pra morar. Um tema pra toda história. Uma certeza pra toda dúvida. Janela acesa em noite escura. Cais onde aportar. Bonança, depois da tempestade. Uma vida costurar na sua, com o fio compriiiiido do tempo."

(Briza Mulatinho)

Alegria

 
Me arde uma alegria, que não aceita ser felicidade, porque a felicidade é uma palavra muito longa e a alegria tem pressa. Uma alegria de deitar na grama e sentir que está molhada e não se importar com a roupa orvalhada e não se importar com a hora e com os modos, uma alegria que é inocência, mas sem culpa para acabá-la. Uma alegria que é descobrir os objetos no escuro. Uma alegria repentina, que me faz entortar o rosto para rir, que não me faz pôr a mão na boca com medo dos dentes, que me impede de me proteger. Uma alegria como um tapete que fica somente curtido no centro. Uma alegria de ficar com pena dos anjos e de suas asas pesadas como duas montanhas nas costas, suas asas como dois irmãos brigando em dia de chuva. Uma alegria de perceber que quanto mais tenho tempo para os outros mais sobra para mim. Uma alegria que não volta para a estante porque não saiu de nenhum livro lido. Uma alegria que se antecipa e faz sala ao quarto. E quase me faz acreditar que sou possível.

Fabrício Carpinejar

sábado, 24 de dezembro de 2011

Mensagem de Natal


Natal é o tempo em que todo o amor guardado dentro de nós pede para ser derramado em forma de reconciliação, ternura, perdão. É quando a gente confraterniza tudo que construímos no ano que passou e repensamos o que poderemos acrescentar no ano que nascerá. Façamos de todas as nossas experiências anteriores, aprendizados para o nosso melhoramento amoroso como pessoa, para que nosso abraço se alargue do tamanho do horizonte, para que possamos ser gratos pela vida com suas belezas e adversidades e que possamos cumprir nossa missão nesta existência, sendo uma presença de luz, compreensão, paciência. Sejamos mais tolerantes e olhemos para o outro, mesmo com todas as suas diferenças, como uma extensão bonita de nós mesmos. Que exista amparo em nossas palavras e delicadeza em nossos gestos para que possamos contribuir com um mundo maior em alegria e esperança. Que nossos problemas sejam sempre menores que as soluções e que sejamos do tamanho dos nossos sonhos. Que a bondade esteja em nós, que a generosidade habite nossos corações e nossas vidas e que o entusiasmo guie nossos passos e nossas ações. Que não tenhamos que esperar o Natal ou o Ano Novo para festejar nosso dia a dia, mas que vivamos de tal forma que tudo em nós seja abundante amorosidade para que possamos sempre estender a nossa mão àqueles que precisarem do nosso acolhimento.

imagem: DeviantArt

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Medo de Nós Próprios

 
A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos.

Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação. Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.

Oscar Wilde, in 'O Retrato de Dorian Gray'


Pintura: The Virgin - Gustav Klimt 1912-1913 

Das Ilusões

 
DAS ILUSÕES

Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.
Com ele ia subindo a ladeira da vida.
E, no entanto, após cada ilusão perdida...
Que extraordinária sensação de alívio!"

Mário Quintana

sábado, 17 de dezembro de 2011

Uma Estrada em Direção a Si Mesmo



Não me considero mais ignorante do que a maioria das pessoas. Tenho sido e ainda sou uma pessoa que busca, mas deixei de questionar as estrelas e os livros; eu passeia  dar ouvidos às lições que meu sangue suspira para mim enquanto corre em minhas veias. Minha história não é agradável; não é doce nem plena de harmonia, como as histórias inventadas costumam ser; tem o sabor de caos e de absurdo, de loucura e de sonhos - como as vidas dos homens que deixaram de se iludir.

A vida de cada homem representa a estrada em direção a si mesmo, e como tentativa de estrada, uma intimação para um caminho. Nenhum homem jamais foi de forma plena completamente ele mesmo. Ainda assim, cada um se esforça para se tornar isso - alguns de modos desajeitados, outros de formas mais inteligentes, da melhor maneira que conseguem.

 in Demian, 1919

Oportunidade

Oportunidade, para o homem consciente e prático, é aquele fenômeno exterior que pode ser transformado em consequências vantajosas por meio de um isolamento nele, pela inteligência, de certo elemento ou elementos, e a coordenação, pela vontade, da utilização desse ou desses. Tudo mais é herdar do tio brasileiro ou não estar onde caiu a granada.

Fernando Pessoa

Oração Romana

"Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,
que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,
que suporte qualquer tipo de labores,
desconheça a ira, nada cobice e creia mais
nos labores selvagens de Hércules do que
nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.
Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;
Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude."

Poeta romano Juvenal

Arrumar o coração

 
Assim como a gente penteia os cabelos antes de sair de casa, antes de iniciar uma interação com uma pessoa, é preciso arrumar o coração.

Não é justo nem elegante trazer para interações novas ruídos de outras interações. Cada pessoa é de um jeito, cada interação tem sua própria dinâmica, suas cores são únicas.
 
Auto-retrato . Zinaida Serebriakova

Não Era Amor

Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo. Eu bati a 200 km por hora e estou voltando a pé pra casa, avariada. Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Talvez este seja o ponto. Talvez eu não seja adulta o suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência? Eu não amei aquele cara. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, eram dois travesseiros. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor. Era melhor.
(Martha Medeiros)

Ame, Faz BEM

"O amor não prende, liberta! Ame porque isso faz bem a você, não por esperar algo em troca. Criar expectativas demais pode gerar decepções. Quem ama de verdade, sem apego, sem cobranças, conquista o carinho verdadeiro das pessoas."

(Chico Xavier)

O Tempo Passa?

O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.
(Carlos Drummond de Andrade)

O Lado Noturno


Então você se tornou esbelto, eficiente, ágil, tem jogo de cintura, é espirituoso, sabe a solução para muitos problemas que aparecem na sua frente, é uma pessoa de muitos recursos, e continua a caminhar na beira do precipício porque ao longo dos anos você desenvolveu um fascínio por essa coisa de andar à beira do abismo sem perder seu equilíbrio. 
(teria sido dito por Richard M. Nixon)

Todos temos o melhor guia em nós mesmos, se seguirmos suas indicações, melhor guia que qualquer outra pessoa possa vir a ser. 

Jane Austen

Todos temos um lado dia, ensolarado, limpo, cabelos penteados, dentes escovados, estruturados e corretos, coerentes....

E um lado noturno, sobre o qual não se fala em conversas de amenidades.

No entanto, fazer uma viagem ao lado noturno pode nos levar a encontrar coisas raras, belas e muito verdadeiras.

Aurora Noreal na Noruega, 5 de dezembro, quando a noite ocupa muito mais espaço que o dia. Fotógrafo Ole Salomonsen.

Almas Que Queimam

 
Há pessoas que tem dentro de si um fogo que queima incessantemente.
Suas labaredas chegam aos pensamentos, pensamentos defumados, vontades que incendeiam.

Essas pessoas vem de um planeta onde as loucuras não cabem em caixinhas.
 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Espírito Aberto

''Sabemos da quantidade de pessoas que passam necessidades reais, que estão desempregadas, que não têm como alimentar os filhos, que têm uma doença séria, enfim, ninguém ignora as mazelas do mundo. No entanto, muitas dessas pessoas que habitam as estatísticas não fazem parte do nosso círculo íntimo. Na maioria das vezes, nossos amigos e familiares estão bem, trabalham, possuem uma vida afetiva. Ok, eles têm lá seus problemas, mas não são exatamente o retrato da desgraça. Ainda assim, me espanta que muitos deles, mesmo sem motivo para cortar os pulsos, vivam como se fossem uns infelizes, lidando com o dia-a-dia de uma forma pesada, obstruindo o próprio caminho em vez de viver com mais leveza. São o que eu chamo de pessoas com o espírito fechado.


Eu respeito quem traz uma grande dor e não sai espalhando sorrisos à toa, mas me enervo com quem fecha a cara por simples falta de humor. Palavrinha mágica, esta: humor. Não me refiro a quem faz piadinhas a todo instante, e sim a quem possui inteligência suficiente para saber que é preciso relevar as incomodações, curtir as diferenças e ser generoso com o que acontece a nossa volta. Humor significa ter um espírito aberto.

Esta é a resposta para quem pergunta qual é a fórmula da felicidade – alguém ainda pergunta isso? Eu responderia: ter o espírito aberto, só. O resto vem. Amigos, amores, oportunidades, até saúde: a fartura disso tudo depende muito da sua postura de vida. Não é evidente?

Eu já fui um caramujo ambulante, daquelas criaturinhas desconfiadas, que torcia o nariz para tudo o que não fosse xerox do meu pensamento. Desprezava os diferentes de mim e com isso, claro, custava para encontrar meu lugar no mundo. Era praticamente um autoboicote. Me trancava no quarto e achava que ninguém me compreendia. Ora, nem podiam mesmo. Aliás, nem queriam.

Um dia – e ainda bem que este dia chegou cedo, no final da adolescência – eu pensei: calma aí, quem vai me salvar? Jesus? John Lennon? Percebi que o mundo era maior do que o meu quarto e que eu tinha apenas duas escolhas: absorvê-lo ou brigar contra ele. Contrariando minha natureza rebelde, optei por absorvê-lo. Abracei tudo o que me foi oferecido, deixei de me considerar importante, comecei a achar graça da vida e, com a passagem dos anos, só melhorei, não parei mais de me desobstruir, de lipoaspirar mágoas e ranzinzices – a não ser que desejasse posar de poeta maldita, o que não era o caso. Me salvei eu mesma e fui tratar de aproveitar cada minuto, que é o que venho fazendo até hoje.

Quando alguém me diz “como você tem sorte”, penso que tenho mesmo. Mas não a sorte de receber tudo caído no colo, e sim a sorte de ter percebido a tempo que nosso maior inimigo é a falta de humor. Sem humor, brota preconceito para tudo que é lado. A gente começa a ter mania de perseguição, qualquer coisa parece difícil e uma discussãozinha à toa vira um dramalhão. Prefiro escalar uma montanha a viver desta forma cansativa.

Espírito aberto. Caso você não tenha recebido gratuitamente na sua herança genética, dá pra desenvolver por si próprio.''

domingo, 4 de dezembro de 2011

Loucos e Santos


 Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde?

"o problema das citações na Internet é que nunca sabemos se são verdadeiras ou não."
Abraham Lincoln

Imagem : Nuno Ramos

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Parar e Olhar


De vez em quando é preciso parar.

Parar e ver a vida que se descortina ante nossos olhos. De olhar e de ver com olhos de ver.

Saber olhar sem ser pelo canto do olho, aprender a olhar de frente o outro, as coisas, os espaços, os tempos. E saber ver, mesmo o que nos é ocultado pelas palavras, palavras que muitas vezes direcionam nosso olhar para ver, mesmo que sejam palavras nascidas nos nossos próprios pensamentos! 

Olhar com olhos de ver. De ver o essencial do mundo e da vida. Mas também de ver os pormenores sutis que fazem a diferença. O que fica nos detalhes, que a pressa de ver as coisas prontas não nos deixa ver. 

Olhar.Para rasparmos a tinta com que nos embotaram os sentidos, como recomendava o poeta Alberto Caeiro, nessa outra face de Fernando Pessoa. Para desaprendermos de tudo aquilo que nos corrói a esperança, nos aliena e oprime. E de tudo que cala a nossa voz, que nos impede de vivermos intensamente. De sermos verdadeiros com a nossa própria essência.

Dizia Saramago no Ensaio sobre a Cegueira: "se podes olhar, vê; se podes ver, repara'" Para não não ficares indiferente. Para compreender.

Declaro-me Vivo

"Saboreio cada momento.
Antigamente me preocupava quando os outros falavam mal de mim.
Então fazia o que os outros queriam, e a minha consciência me censurava.
Entretanto, apesar do meu esforço para ser bem educado,
alguém sempre me difamava.
...Como agradeço a essas pessoas, que me ensinaram que a vida é apenas um cenário!
Desse momento em diante, atrevo-me a ser como sou.
A árvore anciã me ensinou que somos todos iguais.
Sou Guerreiro:
a minha espada é o Amor,
o meu escudo é o Humor,
o meu espaço é a Coerência,
o meu texto é a Liberdade.

Perdoem-me, se a minha felicidade é insuportável, mas não escolhi o bom senso comum.
Prefiro a imaginação dos indios, que tem embutida a inocência.
É possível que tenhamos que ser apenas humanos.
Sem Amor nada tem sentido, sem Amor estamos perdidos, sem Amor corremos de novo o risco de estarmos caminhando de costas para a luz.
Por esta razão é muito importante que apenas o Amor inspire as nossas ações.
Anseio que descubras a mensagem por detrás das palavras;
não sou um sábio, sou apenas um ser apaixonado pela vida.

A melhor forma de despertar é deixando de questionar se nossas ações
incomodam aqueles que dormem ao nosso lado.
A chegada não importa, o caminho e a meta são a mesma coisa.
Não precisamos correr para algum lugar, apenas dar cada passo com plena consciência.
Quando somos maiores que aquilo que fazemos, nada pode nos desequilibrar.
Porém, quando permitimos que as coisas sejam maiores do que nós,
o nosso desequilíbrio está garantido.
É possível que sejemos apenas água fluindo;
o caminho terá que ser feito por nós.
Porém, não permitas que o leito escravize o rio, ou então, em vez de um caminho, terás um cárcere.

Amo a minha loucura que me vacina contra a estupidez.
Amo o amor que me imuniza contra a infelicidade que prolifera,
infectando almas e atrofiando corações.
As pessoas estão tão acostumadas com a infelicidade, que a sensação de felicidade lhes parece estranha.
As pessoas estão tão reprimidas, que a ternura espontânea as incomoda,
e o amor lhes inspira desconfiança.

A vida é um cântico à beleza, uma chamada à transparência.
Peço-lhes perdão, mas…. DECLARO-ME VIVO!"

(Chamalú Indio Quechua)

sábado, 26 de novembro de 2011

Por Escolha e não por Acaso






Escolho viver minha vida através de minhas escolhas
e não levado pelo acaso

Escolho ser o agente da mudança
e não perder tempo dando desculpas


Escolho superar-me no que faço
e não competir com quem quer que seja

Escolho ser útil
e não ser usado

Escolho ter auto-estima
e não auto-comiseração


Escolho ouvir minha voz interior
e não o que dizem por aí, de forma leviana

Texto original em Inglês: Autor desconhecido

Design gráfico - Bruno Lonx

ESTADO DE GRAÇA


"Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. não me refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece aos que lidam com arte.

O Estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse para que se soubesse que realmente se existe. Nesse estadi, além da tranqüila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que chamo só de leve porque na graça tudo é tão, tão leve. é uma lucidez de quem não advinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Nção perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se.


E há uma bem-aventurança física que a nada de compara. O corpo se transforma num dom. E se sente que é um dom. E, se sente que é um dom que se está experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir materialmente.



Há dias que são tão áridos e desérticos que eu daria anos de minha vida em troca de uns minutos de graça."



CLARICE LISPECTOR

Fragmento de crônica publicada em 06/04/1968

A Hora Mágica


Os primeiros raios de sol tingem as paredes externas da casa de laranja. O céu está surpreendentemente limpo, sem nuvens, após vários dias de insistente e incomoda chuva.
Estou só, semi-nu, meio tonto meio faminto, trancado do lado de fora, desabrigado, depois de várias horas tentando vencer inutilmente uma insônia inexplicável.
Só, totalmente só...mas a solidão é glamourosa na praia. Não é uma solidão sofrida, uma falta de algo, é um exílio de si mesmo, de nossa própria vida cotidiana,
um breve espaço de tempo no qual a engrenagem da vida pula um dente, um espaço prolongado por algumas horas.
Um instante sabidamente efêmero, destinado a se perder na memória.
Uma ansiedade prenúncio de uma transformação que termina não acontecendo,
    um insight que eu acabo esquecendo, um delicioso nada.

 Um pensamento-sentimento que ficará perdido eternamente no limbo.

 Tremo de frio, a musculatura do rosto está rígida. Então, tão inesperadamente como surgiu,
 este momento se dissipa no tempo.

Levanto e vou cuidar da minha vida.

Bruno Lonx

O Vestido Azul


Havia no parque da cidade uma garota sentada sozinha num banco, muito triste. Todos por ela passavam e ninguém parava para
ver porque estava triste. Trajada com um vestido azul desgastado pelo tempo, descalça e suja, a garota permanecia sentada,
imóvel, apenas observando as pessoas passarem. Não fazia menção de falar, nem mesmo de sussurar.
Muitos passavam por ela e ninguém a notava.

Mas a imagem daquela garota ficou remoendo na minha mente.


No dia seguinte decidi voltar ao parque para ver se encontrava aquela garota. E lá estava ela, no mesmo lugar,
com a mesma expressão triste. Hoje eu não ia deixar esta garota passar em brancas nuvens. Pelo menos tentaria
fazer alguma coisa por aquela garota. Ora, um parque cheio de estranhos não é o lugar mais apropriado parava
uma garota sozinha.Ao me aproximar, percebi uma volume estranho nas costas da garota.

Vi então porque as pessoas evitavam olhar para a garota. As pessoas preferem ignorar aquilo que é desagradável.
À medida em que me aproximava da garota, ela abaixava seus olhos, evitando meu olhar observador. Mais próximo dela,
pude ver o formato de suas costas com mais detalhes, grotescamente curvadas em uma enorme corcunda.
Sorri, para que ela visse que estava tudo bem, que estava ali para ajudar, para conversar, oferecer um ombro amigo.
Sentei-me ao seu lado e disse "Olá!". A garota meio surpresa, balbuciou um tí­mido "oi", depois de um longo olhar para meus olhos.
Novamente sorri para ela e ela sorriu de volta.

Conversamos por algumas horas, e o parque foi se esvaziando. Perguntei à  garota porque ela estava tão triste.
Ela me olhou melancolicamente e disse "porque sou diferente!", no que eu retruquei "Sim, é mesmo."
"Veja, minha flor, você é como um anjo da guarda observando todas estas pessoas que passam por este parque."

Ela fez que sim com a cabeça e seu rosto se iluminou com um sorriso. Então, abriu o seu vestido nas costas
e surgiram duas asas imensas, e disse: "Sou mesmo. Sou seu anjo da guarda", disse com um brilho em seus olhos.

Fiquei estarrecido, devia estar vendo coisas!
Ela disse: "Finalmente você pensou em outra pessoa que não apenas em si próprio. Minha missão aqui está concluída."
Pus-me de pé e disse: "Espere, não vá ainda. Diga-me porque ninguém parou para ajudar um anjo?"

Ela respondeu: "apenas você podia me ver" e foi-se embora rapidamente,
com uma lufada de ar refrescante vinda de suas asas me atingindo em cheio.

Aquilo me marcou para toda a vida.

História recebida por e-mail, autor desconhecido
O quadro é Linda Sitting in a Blue Dress - Annie Howell-Adams

Óbvio, né? Dã!

Algumas pessoas acham que ser inteligente é não fazer perguntas, observar e concluir. Entretandto, peerceber as coisas rápido nem sempre é ver as coisas como elas SÃO, às vezes só se vê o que PARECE SER. 

Aquela perplexidade da criança que pergunta "por que? por Que?", querendo saber como, onde, quem , as causas por trás dos efeitos, e as causas das causas, num saudáel e relevador exercício de investigação de uma realidade sempre nova, essa perplexidade muitas vezes é deixada de lado cedo demais. As pessoas acabam concluindo com base em indícios, tomam como verdade os pedaços de pensamento que lhe são apresentados para consumo, rapidamente juntam A com B e obtêm conclusões que consideram como manifestação de sua notável inteligência. Experimente perguntar a estas pessoas se o que parece ser A é mesmo um A. Eles e elas dirão:

- Óbvio, né! Dãh!

Nem sempre a verdade é óbvia, o óbvio pode ser uma ilusão, e esta desconfiança não o torna uma pessoa lerda ou burra. Pode ser que após percorrermos o caminho reflexivo do questionamento, após investigar os fundamentos da verdade que nos é apresentada, acabemos por concluir que o que o rápido processador de pensamentos ao nosso lado estava certo. Mas sabemos que em uma situação o onde o pensador de linha de montagem seria ludibriado, nós tivemos um olho clínico para descobrir a farsa. Atalhos podem ser perigosos, o lobo mau prestidigitador de pensamentos pode estar à  sua espreita, Chapéuzinho Vermelho. 

Aquele A, na verdade era um 4 com uma sujeirinha em cima. Tão rápido você viu o "óbvio" que nem percebeu a diferença.

A Unanimidade é burra!
Nelson Rodrigues

Sensibilidade Inteligente

Pessoas que às vezes querem me elogiar chamam-me de inteligente. E ficam surpreendidas quando digo que ser inteligente não é meu ponto forte e que sou tão inteligente quanto qualquer pessoa. Pensam inclusive que estou sendo modesta.

É claro que tenho alguma inteligência: meus estudos o provaram, e varias situações das quais me saí por meio da inteligência tambem provaram. Além do que posso, como muitos, ler e entender alguns textos considerados difíceis.
Mas, muitas vezes a minha chamada inteligência é tão pouca... como se eu tivesse a mente cega. As pessoas que falam de minha inteligência estão na verdade confundindo inteligência com o que chamarei agora de sensibilidade inteligente. Esta, sim, várias vezes tive ou tenho.
 
E, apesar de admirar a inteligência pura, acho mais importante, para viver e entender os outros, essa sensibilidade inteligente. Inteligentes são quase que a maioria das pessoas que eu conheço. E sensíveis tambem, capazes e sentir e de se comover. O que, suponho eu, eu uso quando escrevo, e nas minhas relações com os amigos, é esse tipo de sensibilidade. Uso-a mesmo em ligeiros contatos com pessoas, cuja atmosfera tantas vezes capto imediatamente.
Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como, por assim dizer, pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom. E, com um dom, pode ser abafado pela falta de uso ou aperfeiçoar-se com o uso. Tenho uma amiga, por exemplo, que além de inteligente, tem o dom da sensibilidade inteligente, e , por profissão, usa constantemente este dom. O resultado então é que ela tem o que eu chamaria de coração inteligente em tão alto grau que a guia e guia os outros como um verdadeiro radar.

Clarice Lispector, texto escrito em 2/11/1968

Dica de Filme: o Ano Passado em Marienbad - Alains Resnais(1961)

...desertos, sobrecarregados por adornos de outro seculo, salas silensiosas onde os passos de quem anda são abafados por tapetes tão pesados e espessos...que nenhum barulho chega ao seu ouvido...como se o ouvido de quem anda por esses corredores pelos salões e galerias da construcão de outro século...esse hotel imenso, luxuoso, barroco, lúgubre...(Inaudível) onde corredores sem fim se sucedem a outros, silenciosos, desertos...sobrecarregados por adornos escuros, forros de madeira...tetos, painéis emoldurados, mármores, espelhos negros...quadros com tintas negras, colunas...molduras esculpidas, fileira de portas...galerias, corredores transversais... salas silenciosas onde os passos de quem anda são abafados por tapetes tão pesados e espessos...(inaudível)como se o chão ainda fosse de areia e pedregulho...onde ladrilhos de pedra por onde eu ia, mais uma vez por esses corredores... pelos salões e galerias da construcão de outro século....esse hotel imenso, luxuoso, barroco, lúgrube...(inaudível) Por onde eu ia novamente, como se fosse ao seu encontro...por entre estas paredes revestidas de madeira...tetos, molduras, quadros, gravuras emolduradas por entre as quais eu vinha...por entre as quais já estava...eu mesmo...à sua espera...bem longe desse cenário onde me encontro agora...à sua frente, à espera daquele que não virá mais...que não poderá mais nos separar de novo...e tirá-la de mim...
Ela: é preciso esperar ainda...alguns minutos, mais que isso, uns segundos... Ele: mais uns segundos ainda, concordo...como se hesitasse ao se separar dele, de você mesma...como se sua silhueta cinzenta pudesse ainda aparecer...aqui mesmo onde você imaginou com tal ardor...tal receio ou esperança...por medo de perder esse laço fiel com...ela: não...Não...essa esperança... não faz mais sentido. O medo de perder tal laço, tal prisão, tal mentira...esse medo já passou. Agora essa história passou. Vai acabar...Ele: mais alguns segundos...e ficará cravada num passado de marmore...como essas estátuas e jardins...esse mesmo hotel e suas salas já desertas...seus personagens imóveis, mudos...mortos há muito tempo...e que ainda montavam guarda nos corredores...pelos quais eu ia ao seu encontro...entre duas fileiras de rostos imóveis, fixos, atentos...indiferentes desde sempre...você que talvez ainda hesite...olhando sempre a entrada desse jardim. PLlM, PLlM, PLlM! Pronto agora sou sua
Fecha o pano. A Platéia bate palmas.

O Ano Passado em Marienbad (1961)

 


Mais que apenas uma obra-prima, um magistral exemplar de Cinema-Arte, transcendo o mero rótulo orientador para um mercado de consumo de produtos cinematográficos, revelando-se um exercício de produção de arte usando o suporte do celulóide, da linguagem cinematográfica que este filme usa e na qual inova, este filme é seminal, e influenciou tantos outros ótimos filmes. 2001, Uma Odisséia no Espaço, Memento, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Quero ser John Malkovitch, O Iluminado, Mulholland Drive, e outros que ainda não vi, mas que implícita ou explicitamente homenageam este filme e bebem em sua fonte.

Mas e a história? Qual é a história deste filme? Ora, não é bem uma história, é algo mais parecido com um sonho, uma vaga lembrança. Em uma narrativa inovadora, lembrem-se que este filme é de 1961, Alain Resnais faz uma alegoria da memória, pelos escaninhos da memória, onde o tempo, o espaço, os diálogos, a identidade das pessoas se apresentam fragmentadas, distorcidas, vívidas e vagas, contraditórias e repetitivas, num jogo eterno de claro e escuro, que a hipnótica fotografia espelha. Este filme carece de uma sala escura e uma boa tela para melhor fruição, e nunca poderia ter sido feito em cores. 

Aviso logo que é um filme que não é para todos, e quem se arrisca aos seus 90 minutos tem que estar no estado de espírito certo para ser atingido pelo seu feitiço, pois é lento, repleto de um palavrório denso, repetitivo, caótico e o diretor não se dá ao menor trabalho de tornar a história mais compreensível. Mas quem gostar, pode assistir 20 vezes que ainda achará coisas novas não notadas antes. Eu só vi 3, mas outros já viram mais vezes e pelo que vi tenho razões para acreditar nos relatos.

Bem, vamos à história. A, elegantemente interpretada por Delphine Seyrig, acompanhada de M (Sacha Pitöeff), que pode ou não ser seu marido, estão em um suntuoso palácio-hotel em Marienbad, onde encontram outros aristocratas como eles, cultos e refinados em suas amenidades, entre eles X(Giorgio Albertazzi), que insistentemente tenta convencer A a fugir com ele. Marienbad pode ou não existir, A pode ou não ter encontrado X no passado. A pimeira vez que A e X se encontram A lhe pergunta se ele não a conhecia de seus sonhos, X não responde, em seus olhos se vê que não, mas seria um Deja vu, um sinal? X lembra de ter tido um caso com A, e de que combinaram se encontrar em Marienbad um ano depois para concretizar a fuga, mas A não o reconhece. Seria tudo isto imaginação de X? Seria um devaneio de M, enciumado, que imagina X, inexistente? Seria esta lembrança tão viva algo acontecido em outro lugar, com outra pessoa? Todas as possibilidades estão abertas. Embalados por uma música incidental sombria, proveniente de um órgão, uma arquitetura labiríntica e barroca, o desenrolar das cenas (lembranças? Devaneios?) cria um clima hipnótico e a fotografia claro-escuro nos delicia a visão. Os personagens secundários neste filme são pastiches de seres humanos, vagas lembranças cujas conversas se repetem eternamente, personagens mortos há muito tempo e que ainda montavam guarda (mais ou menos congelados) nos corredores deste hotel imenso, luxuoso, barroco, lúgrube, repleto de espelhos e Tromp L´oeil, no qual o tempo e o espaço estão em constante mutação, na narrativa circular e onírica construída por Resnais, com uso de imagens provocativas e linguagem experimental, com uma estudada qualidade de coisa sonhada, violando uma série de convenções então vigentes na edição, cinematografia e continuísmo. Algumas frases neste filme me lembraram um metrônomo, marcando o tempo, um tempo mental diferente do tempo cronológico.

Seria a memória aqui um arquivo do passado vivido, um processo criativo, um devaneio fantasioso? Assista o filme e me diga.